Tiradentes um “herói fabricado” para o momento histórico?

A trajetória de um dos líderes da Inconfidência Mineira caiu sob medida para um Brasil que tentava consolidar sua república

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Tiradentes

Entre tantos personagens históricos brasileiros, a figura, ou pelo menos o nome, de Tiradentes talvez seja a mais conhecida entre a população brasileira. Afinal, ninguém mais possui um feriado nacional em homenagem a sua morte. Mas o que tornou Joaquim José da Silva Xavier tão importante?

Para começar, precisamos deixar claro que ninguém simplesmente nasce um herói. São as ações realizadas em prol de uma causa que transformam uma pessoa comum em um personagem histórico digno de lembrança e homenagens.

No caso de Tiradentes, mais do que a sua participação na Inconfidência Mineira, foi o fato de ter sido o único punido com a morte que o colocou visível aos olhos da história. Muitas outras pessoas participaram da conspiração contra a Coroa Portuguesa, mas, como não morreram em defesa dessa ideia, raramente são lembrados.

Quando foi enforcado e esquartejado, em 1792, o Brasil ainda era colônia de Portugal. Por isso, seus atos e os dos demais inconfidentes eram tidos como subversivos. Isso por que, segundo a lei do período, haviam cometido o crime gravíssimo de lesa-majestade (traição ao rei). Mas, ao contrário do que alguns acreditam, sua memória não estava completamente esquecida.

“Em 1792, já se dizia, não abertamente, que os inconfidentes de Minas eram qualificados como traidores porque perderam. Caso tivessem vencido, seriam heróis”, explica o professor Luiz Carlos Villalta, do departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Um século depois, quando a república foi proclamada, o novo regime não tinha apoio popular. Afinal, a ideia de um governo sem rei ainda era estranha para boa parte da população.

Enquanto a notícia ainda chegava em todas as casas do país (o território brasileiro é muito extenso e os meios de comunicação não eram tão ágeis quanto os de hoje), o Brasil entrou em uma grave crise econômica, o Encilhamento, em 1890 e teve a renúncia do primeiro presidente do novo regime, o marechal Deodoro da Fonseca, em 1891.

Para completar, ocorriam no mesmo período a Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893-1894) e a Revolução Federalista no sul (1893-1895). Ou seja, a crise estava instaurada.

Mas o que Tiradentes tem a ver com isso?

Para construir uma nação forte e que apoiasse o governo, era necessário que a população estivesse unida em torno do novo projeto político. Um dos passos para isso foi eleger um personagem que personificasse os ideais republicanos. Marechal Deodoro, como o proclamador da república e primeiro presidente, seria a figura perfeita. Isso, caso seu governo não tivesse provocado a crise econômica e ele não desistisse do cargo.

No atual contexto, o que poderia ser melhor do que um personagem de origem humilde (em contraste com a monarquia rica), militar (em um governo de maioria militar), trabalhador, participante de um movimento surgido no sudeste e que dera a vida por um ideal republicano? O mártir Tiradentes era o personagem perfeito para o papel. “É fácil associar sua figura com os ideias do novo regime. Ele morreu em defesa do que acreditava e por isso já estava com a roupa de herói pronta. O movimento republicano simplesmente se aproveitou de um personagem cuja história já facilitava”, diz Luiz Carlos.

Lapidando o herói

Os setores republicanos já o tinham como herói que representava suas ideiais. Mas, como boa parte da população brasileira nem sabia o que realmente significava república e a imagem do mártir ainda não era apresentada nos livros didáticos, fazia-se necessário implementar sua imagem no imaginário popular. Já em 1890, a data de sua morte foi decretada feriado nacional.

A nova forma de governo fez surgir a necessidade de construção e reformas de prédios para propósitos políticos e administrativos. Para enfeitá-los, era normal que se encomendassem quadros que valorizassem a pátria. Entre os temas, não podiam faltar quadros de Tiradentes – que foram reproduzidos em jornais e livros para se tornarem conhecidos da população.

Entretanto, a obra mais conhecida sobre ele não foi encomendada.  Pedro Américo era o pintor oficial do regime monárquico brasileiro (é dele o quadro O grito do Ipiranga, que representa a independência do Brasil de Portugal). Quando a república começou, ele perdeu esse cargo e também foi aposentado da Academia de Belas Artes. Para recuperar o apoio do governo, decidiu produzir uma série de cinco obras sobre a Inconfidência. Apenas a última, Tiradentes suplicado, posteriormente conhecida como Tiradentes esquartejado, de fato foi feita.

Tiradentes Esquartejado. Óleo sobre tela de Pedro Américo (1893)

Assim como nas outras representações, sua figura é associada à de Jesus Cristo. Mas, ao contrário de retratar um herói vitorioso, o apresenta aos pedaços, vítima da crueldade da Coroa Portuguesa, assim como o Cristo crucificado. Veja uma análise detalhada da obra aqui.

O herói estava pronto. Assim como Jesus, possuía um ideal, um traidor (o coronel Joaquim Silvério dos Reis, que delatou os inconfidentes), retratos espalhados por prédios públicos, admiradores e um feriado em homenagem a sua morte. “Podemos dizer que Tiradentes enquanto herói nacional é uma construção histórica bem sucedida que faz parte de um projeto de nação que o Brasil independente queria construir. Assim como outros personagens também são”, explica Juliano Custódio Sobrinho, professor de História da Uninove.

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