A faixa da população que vive em extrema pobreza foi a menor dos últimos 40 anos no Brasil, graças a distribuição do auxílio emergencial durante a pandemia do novo coronavírus. Essa é a conclusão de uma análise feita pelo pesquisador Daniel Duque. É o que revela levantamento feito por ele para o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Covid 19 (Pnad Covid-19) de junho, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nos parâmetros do Banco Mundial na definição de linha de pobreza.
Duque destacou que os níveis são os menores já registrados por todas pesquisas domiciliares brasileiras, mas disse que a comparação não é perfeita porque a abrangência do modelo dos levantamentos mudou ao longo dos anos.
De acordo com a Pnad Covid 19, a faixa dos que vivem com menos de US$ 1,90 por dia, ou R$ 154 mensais, considerada de extrema pobreza caiu de 4,2% (8,8 milhões de pessoas) para 3,3% (6,9 milhões de pessoas) de maio para junho deste ano. Já a referente à parcela dos que vivem com menos de US$ 5,50 por dia, ou R$ 446 mensais, ou na faixa de pobreza, caiu de 23,8% para 21,7%.
Para o pesquisador, as reduções coincidem com o aumento da cobertura do auxílio emergencial. Duque lembrou que, de maio para junho, o total de contemplados com o benefício passou de 45% para cerca de 50% da população, principalmente, os mais pobres.
Para ele, o aumento da cobertura foi possível com a redução dos problemas de acesso ao benefício ocorridos inicialmente. “Em abril e maio ainda havia pessoas que estavam demorando a ser autorizadas. Isso aconteceu em grande volume. Depois, foi aumentando o número de pessoas com acesso ao auxílio, porque teriam direito mesmo, mas demoraram para conseguir”, disse Duque em entrevista à Agência Brasil.
O pesquisador acrescentou que a Pnad Covid 19 do mês de junho mostrou ainda que, mesmo quem não recebeu o auxílio, teve aumento de renda. “Houve incremento de renda na população entre 20% e 30% mais pobre, que teve aumento, fora o auxílio. No entanto, o auxílio foi mais predominante, gerando aumento de quase R$ 40 por pessoa entre os 10% mais pobres. Entre os 10% e 20% mais pobres, o aumento foi de R$ 20 e, entre os 20% e 30% mais pobres, de pouco mais de R$ 23.” Segundo Duque, o principal responsável foi o auxílio emergencial, que aumentou cerca de R$ 40 para os mais pobres [a faixa mais baixa] e R$ cerca de R$ 20 para os outros.”
Duque observou ainda que, também nesse período, o Congresso Nacional expandiu o universo das pessoas que teriam direito ao auxílio emergencial, e este foi mais um fator de impacto nos números. “Ainda teve uma mudança de ampliação do auxílio no mês de maio, que teve reflexos no mês de junho”, acrescentou.
O pesquisador disse que, em julho, a tendência é de estabilização, porque já estará quase completo o número de pessoas em extrema pobreza com direito ao auxílio emergencial. “Ainda vai ter parcelas para receber, mas não vai aumentar o número de pessoas. Vai ter ainda alguma inclusão, mas será pequena.”
Para Duque, a expectativa de fim do benefício é uma preocupação porque pode alterar o cenário. Ele mencionou a possibilidade de criação de outro tipo de benefício no lugar do auxílio emergencial. Mesmo que o novo valor fique muito abaixo do auxílio pago atualmente, ainda assim se notará impacto, ressaltou o pesquisador.
“Supondo que o governo lance o Renda Brasil logo após o auxílio emergencial, o volume de transferência para as famílias será muito menor. Não há dúvida de que, se não houver uma forte recuperação do mercado de trabalho, voltaremos a ver novos aumentos da taxa de pobreza nos próximos meses. O maior risco é aumentar tanto a taxa de pobreza e chegarmos a níveis menores do que tínhamos em 2019, 2018. Esse é o principal risco”, afirmou Daniel Duque.
Na opinião do pesquisador, quanto mais demorar a definição de qual será a política social pós-pandemia, mais aumentará o risco de se deixarem muitas famílias vulneráveis à insuficiência de renda.